AS COISAS DAS QUAIS VOCÊ NÃO SE LEMBRA MOLDAM QUEM VOCÊ É

AS COISAS DAS QUAIS VOCÊ NÃO SE LEMBRA MOLDAM QUEM VOCÊ É

12/09/2016 Desenvolvimento Humano PNL Psicologia Qualidade de Vida 0

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As coisas das quais você não se lembra moldam quem você é |  |  De Bahar Gholipour

A maioria das pessoas não se lembra de nada do que lhes aconteceu mais ou menos nos primeiros dois anos de vida.

Esse fenômeno, conhecido como amnésia infantil, deixa os cientistas perplexos. Alguns alegam que esquecemos porque o cérebro infantil ainda não desenvolveu plenamente a capacidade de armazenar memórias.

Outros argumentam que é porque o cérebro, que está em fase de crescimento acelerado, está mudando tanto que “escreve por cima” daquilo que já registrou.

Uma pesquisa nova que saiu recentemente na Nature Neuroscience sugere que essas recordações não são esquecidas. O estudo mostra que, quando ratos jovens tiveram uma experiência durante esse período de amnésia infantil, a memória da experiência não se perde. Em vez disso, é armazenada durante muito tempo como “traço latente de memória”.

Se, mais tarde, alguma coisa lembra ao rato da experiência original, o traço de memória ressurge como uma memória completa, duradoura.

Descrevendo um salto (enorme) de ratos para humanos, isso pode explicar como as experiências do início da vida das quais você não se recorda mais ainda moldam sua personalidade; como crescer em um ambiente rico em estímulos faz de você uma pessoa mais inteligente, e como sofrer traumas na primeira infância coloca você em risco maior de sofrer problemas de saúde mental mais tarde na vida.

Os cientistas não sabem se podemos acessar essas memórias. Mas o novo estudo mostra que a amnésia infantil coincide com uma época crítica para o cérebro – especificamente, para o hipocampo, uma estrutura em formato de cavalo marinho que é crucial para a memória e a aprendizagem.

A amnésia infantil corresponde à época em que nosso cérebro amadurece e que novas experiências alimentam o crescimento do hipocampo.

Nos humanos, esse período ocorre antes da pré-escola, provavelmente entre os 2 e 4 anos de idade. Durante esse período o cérebro da criança precisa de estímulos adequados (obtidos principalmente de interações sociais sadias), para que possa desenvolver bem a capacidade de aprender.

A falta de ativação mental sadia suficiente nesse período pode dificultar o desenvolvimento dos centros cerebrais de aprendizagem e memória, de uma maneira que não pode ser compensada mais tarde na vida.

“O que descobrimos é que o cérebro da criança precisa ser ativado o suficiente, e de modo sadio, antes mesmo de ela entrar na pré-escola”, disse a líder do estudo, Cristina Alberini, professora no Centro de Ciência Neural da New York University. “Sem isso, o sistema neurológico corre o risco de não desenvolver corretamente as funções de aprendizagem e memória.”

As descobertas do estudo podem ilustrar um mecanismo que talvez explique parcialmente as pesquisas científicas que indicam que a pobreza pode provocar o encolhimento do cérebro das crianças.

Pesquisas extensas feitas ao longo de décadas indicam que o status socioeconômico baixo está vinculado a problemas com capacidades cognitivas, com risco aumentado de problemas de saúde mental e com desempenho escolar inferior.

Nos últimos anos, psicólogos e neurocientistas também descobriram que a anatomia cerebral pode parecer diferente em crianças pobres. A pobreza está ligada também a uma superfície cerebral menor e a volume menor da matéria branca que interliga as áreas do cérebro, além de um hipocampo menor. E um estudo de 2015 constatou que as diferenças no desenvolvimento cerebral explicam até 20% do desnível de desempenho acadêmico entre crianças de famílias de alta renda e as de famílias de baixa renda.

 

Períodos críticos

 

No caso do cérebro, os primeiros anos de vida são determinantes para decidir como será o resto da vida.

Embora o sistema neurológico conserve parte de sua capacidade de se regenerar ao longo da vida, vários eventos bioquímicos que moldam sua estrutura básica acontecem apenas em determinados períodos.

Durante esses períodos críticos das etapas de desenvolvimento, o cérebro é altamente sensível a novos sons, novas coisas vistas, novas experiências e estímulos externos.

Os períodos críticos podem ser estudados mais facilmente no sistema visual. Na década de 1960 os cientistas David Hubel e Torsten Wiesel mostraram que, se fechavam um olho de um gatinho a partir do nascimento e o mantivessem fechado por alguns meses, seu cérebro nunca aprenderia a enxergar corretamente.

Os neurônios das áreas visuais do cérebro perderiam sua capacidade de reagir ao olho que fora fechado. Gatos adultos que recebem o mesmo tratamento não demonstram esse efeito, fato que demonstra a importância dos períodos críticos do desenvolvimento cerebral para o funcionamento correto.

Essa descoberta fez parte do trabalho pioneiro que valeu a Hubel e Wiesel o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1981.

No novo estudo realizado com ratos, a equipe mostrou que um período crítico semelhante pode acontecer com o hipocampo.

Alberini e seus colegas analisaram de perto o que acontece no cérebro de ratos em seus primeiros 17 dias de vida (equivalentes aos três primeiros anos de vida humana).

Eles criaram uma memória de uma experiência negativa para os roedores: cada vez que os ratos entravam num canto específico de sua gaiola, recebiam um choque levemente doloroso no pé. Como as crianças humanas, os ratos filhotes não são bons em lembrar-se de coisas que lhes aconteceram durante a amnésia infantil.

Assim, embora evitassem aquele canto da gaiola logo após receber o choque, voltavam a ele um dia mais tarde. Enquanto isso, um grupo de ratos mais velhos reteve a memória e evitou aquele local por muito tempo.

Mas os ratos mais jovens tinham, na realidade, conservado um traço da memória. Um lembrete (como um choque em outro pé, em outro canto) era o bastante para ressuscitar a memória e fazer os ratos evitarem o primeiro canto da gaiola.

Os cientistas encontraram uma enxurrada de eventos bioquímicos nos cérebros dos ratos jovens que são tipicamente vistos nos períodos críticos do desenvolvimento.

“Achamos instigante verificar a presença do mesmo tipo de mecanismo no hipocampo”, disse Alberini ao Huffington Post.

 

O cérebro que aprende e seus mistérios

 

Do mesmo modo como o cérebro dos gatinhos precisava de luz dos olhos para aprender a enxergar, o hipocampo pode precisar de experiências novas para aprender a formar memórias.

“Na primeira infância, enquanto o cérebro não consegue formar memórias de longo prazo com eficiência, ele está ‘aprendendo’ a fazê-lo, fazendo com que seja possível criar a habilidade de memorizar para o longo prazo”, disse Alberini.

“Mas o cérebro precisa de estímulos através da aprendizagem para que possa ganhar prática na formação de memórias. Sem essas experiências, a capacidade de aprendizagem do sistema neurológico será prejudicada.”

Isso não significa que os pais devam colocar seus filhos numa “pré-pré-escola”, disse Alberini ao HuffPost. Mas enfatiza a importância da interação social sadia, especialmente com os pais, e de a criança crescer em um ambiente rico em estímulos.

Segundo a pesquisadora, a maioria das crianças nos países em desenvolvimento já se beneficia disso.
Mas o que isso significa para crianças que crescem expostas a baixos níveis de estímulo ambiental, algo que é mais provável em famílias pobres?

Isso explica por que a pobreza está ligada a cérebros menores? Alberini acha provável que muitos fatores contribuam para o vínculo entre pobreza e cérebro. Mas, diz ela, é possível que um baixo nível de estimulação durante o desenvolvimento do hipocampo exerça um papel.

O psicólogo Seth Pollak, da Universidade de Wisconsin em Madison, já constatou que crianças criadas na pobreza demonstram diferenças no desenvolvimento do hipocampo. Ele concorda com Alberini.

Pollak acha que as conclusões do novo estudo representam “um vínculo muito plausível entre adversidade na primeira infância e problemas mais tarde na vida”.

“Sempre precisamos ter cautela ao extrapolar estudos de roedores para a compreensão de crianças humanas”, ele ressalvou. “Mas os estudos com animais não humanos, como este, nos oferecem hipóteses testáveis sobre mecanismos específicos subjacentes ao comportamento humano.”

Embora o vínculo entre pobreza e desempenho cognitivo já tenha sido verificado em muitos estudos anteriores, os cientistas não têm uma boa explicação de como exatamente muitos fatores relacionados se desdobram no cérebro em desenvolvimento, disse Elizabeth Sowell, pesquisadora do Children’s Hospital Los Angeles. Para ela, estudos como estes “nos dão muito sobre o que refletir”.

 

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